O Brasil precisa de mais servidores e melhores serviços públicos

Governo Federal pretende diminuir tamanho do Estado e gastos com políticas públicas. Servidores e serviço público são alvos.

 

Como já mencionado em artigo anterior, o Governo Federal – especialmente a equipe econômica comandada pelo ministro Paulo Guedes – pretende realizar uma profunda ‘Reforma Administrativa’, por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional que está sendo preparada há meses.  Em artigo de agosto de 2019, o jornalista e analista político Antonio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do DIAP, registrava que “o governo Bolsonaro pretende promover ampla reforma administrativa, com medidas voltadas para a descentralização, a redução do gasto governamental e a revisão do tamanho e do papel do Estado”. Ou seja, o velho ‘papo furado’ de que o Brasil precisa de “Estado mínimo” para se desenvolver e sair da crise…

Intitulado Servidores públicos serão a bola da vez de Bolsonaro, Queiroz sistematizava os objetivos gerais do Governo Federal que seriam, entre outros, o enxugamento máximo das estruturas e do gasto com servidores, com extinção de órgãos, entidades, carreiras e cargos; a redução do quadro de pessoal, evitando a contratação via cargo público efetivo; a redução de jornada com redução de salário.

Bolsonaro e Guedes disseram que apresentariam uma PEC própria no início do ano, mas agora o Governo já avaliaria desistir dessa ideia e aproveitar projetos que já estão na Câmara e no Senado. Deste modo, seriam enviadas apenas sugestões a serem embutidas nas propostas em tramitação, agilizando a votação de propostas que são consideradas prioritárias. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, “a resistência está no núcleo político do Palácio do Planalto em razão das eleições”.

O presidente estaria com medo da repercussão negativa, bem no momento em que ocorrem manifestações na América Latina, especialmente no Chile. Existe, ainda, preocupação com a pressão política dos servidores. O jornal ilustra essa questão com o exemplo de que a Frente Parlamentar do Serviço Público tem 255 deputados, quase metade do total de 513 parlamentares. Além do mais, as ofensas de Guedes, ao chamar os servidores de “parasitas”, também não ajudam… O que mostra que não vai ser fácil aprovar medidas que prejudiquem os servidores e o serviço público.

O plano inicial era enviar em novembro, com o ‘pacotaço’ que mexe em regras fiscais e orçamentárias que foi chamado de Plano Mais Brasil. Mas, entre idas e vindas, até agora a PEC da Reforma Administrativa não foi enviada. Nesta quinta-feira (13/02), Bolsonaro disse que fará isso na próxima semana. Talvez a ameaça do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, de que faria apenas a reforma administrativa do Legislativo caso o presidente não enviasse uma PEC própria, tenha feito o presidente desistir da desistência…

Em uma demonstração de que o Governo Federal não terá sossego, a Frente Parlamentar Mista do Serviço Público realizou, nesta quarta (12/02), um ato político pela valorização do serviço público. Parlamentares e lideranças sindicais participaram também do seminário em que especialistas se opuseram à política privatista e às mentiras do governo.

Plano “Menos” Brasil

O pacote incluiu as PECs da Emergência Fiscal (186/19), Fundos Constitucionais (187/19) e do Pacto Federativo (188/19). Essas PECs fazem parte das pautas consideradas prioritárias pelo Governo no Congresso.

PEC 186/19 – A PEC emergencial, que está em discussão na Comissão de Constitucional e Justiça no Senado, se trata de medidas que autorizam a União, estados e municípios a cortarem gastos quando as receitas forem inferiores às despesas. Permite a criação do Estado de Emergência Fiscal, que seria previsto quando o União descumprisse a “Regra de Ouro” do orçamento federal e despesa corrente superasse 95% da receita.

Neste caso, a jornada e salários dos servidores poderiam ser reduzir em 25%, seria suspensa a progressão de carreira e proibidos os concursos públicos. As medidas que atingem os servidores seriam temporárias. Apenas membros do Ministério Público, militares e diplomatas poderão ter promoção durante o período de Estado de Emergência Fiscal. Entre outras medidas, a PEC emergencial proíbe os governantes de deixarem despesas para seus sucessores. Além disso, o salário mínimo deixaria de ser reajustado pela inflação.

PEC 187/19 –  A PEC dos Fundos Constitucionais, também na CCJ do Senado, propõe a revisão dos 260 fundos constitucionais e infraconstitucionais existentes. A proposta exige que novos fundos só poderão ser criados por uma lei complementar. E os fundos atuais só poderão ser mantidos se forem aprovadas leis complementares para cada um deles, no prazo de dois anos. Ou seja, a maior parte dos fundos será extinta no fim do segundo ano de vigência da PEC.

Os fundos concentram recursos em atividades e projetos de áreas específicas, mas essa PEC permitiria o remanejamento das verbas. Ou seja, autoriza o Executivo destinar o dinheiro dos fundos infraconstitucionais para áreas diferentes das que estão hoje vinculadas. O Fundo Nacional da Cultura (FNC), Fundo Nacional da Saúde (FNS) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) são alguns dos que seriam afetados caso a PEC 187/19 seja aprovada. Estes e outros fundos são fundamentais para o investimento em políticas públicas, setores econômicos importantes e áreas estratégicas para o País.

PEC 438/18 –  Esta proposta é semelhante à PEC da Emergência fiscal. A PEC 438/18, em debate em uma comissão especial na Câmara dos Deputados, assegura o cumprimento da Regra de Ouro. Com já mencionado, a Regra de Ouro é um dispositivo constitucional que proíbe o governo de se endividar para pagar despesas como folha salarial, manutenção dos órgãos públicos e programas sociais. O descumprimento da regra seria previsto só com autorização do Congresso Nacional. Essa PEC não faz parte do “pacotaço” do Plano Mais Brasil, mas partilha da mesma lógica.

PEC 188/19  – Esta PEC do Pacto Federativo também trata da regra de ouro no nível dos governos estaduais. No site Congresso em foco, o jornalista Lauriberto Pompeu destacou alguns pontos da proposta:

  • Município com menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria menor do que 10% da receita total será incorporado pelo município vizinho. Paulo Guedes justificou que municípios precisam ter um “tamanho ótimo” para cumprir as contas públicas;
  • Criação de um marco institucional por meio de um conselho fiscal, a ser formado pelos presidentes da República, do Supremo Tribunal Federal, da Câmara, do Senado, do Tribunal de Contas da União e da associação dos tribunais de contas estaduais. O conselho se reunirá a cada três meses para avaliar a situação financeira dos entes federativos;
  • Redistribuição dos recursos do pré-sal, conforme proposta já aprovada pelo Congresso;
  • Criação de gatilhos para permitir o equilíbrio de despesas de estados, municípios e União, como o fim de algumas despesas obrigatórias. Reajustes de benefícios previdenciários e do Benefício de Prestação Continuada continuarão a ser feitos com base na inflação;
  •  Desvinculação do Orçamento, com a proposta de soma do gasto obrigatório com saúde e educação.
  • A receita pública não terá valores vinculados a fundos de financiamento. As exceções são taxas, doações, fundo de participação de estados e municípios e vinculações definidas na Constituição.
  • É criada a possibilidade de contingenciar, ou seja, bloquear temporariamente o orçamento de estados e municípios temporariamente a exemplo do que já acontece na União.

O Estado brasileiro é grande?

Esse conjunto de propostas visam a reformulação ampla e profunda das estruturas e do papel do Estado brasileiro, revisando as prioridades orçamentárias que obrigam governos a destinar investimentos públicos a áreas essenciais ao povo brasileiro, como saúde, educação, cultura, políticas sociais. Essas reformas têm o objetivo geral de diminuir o tamanho do Estado e retirar sua responsabilidade sobre uma série de serviços públicos, sob a falsa alegação de que a máquina pública seria grande, pesada e naturalmente ineficiente.

Mas o Estado brasileiro não está nem entre os maiores. Aqui, o serviço público emprega pouco mais de 10% do mercado de trabalho, enquanto, por exemplo, na Dinamarca e Noruega 01 a cada 03 trabalhadores são funcionários públicos. Outra mentira é o de que o Estado gasta demais. Segundo o economista Emilio Chernavsky (USP), “o que o Brasil gasta por habitante é três a quatro vezes menos que o registrado nos países desenvolvidos com os quais a qualidade dos serviços públicos é normalmente comparada”.

Muito se fala também que o Brasil tem muitos impostos. “É a 5a menor entre as 20 maiores economias do mundo, depois de China, Índia, Indonésia e Irã“, afirma Andre Levy, matemático graduado pela USP, com mestrado na Universidade Stanford e doutorado na Universidade de Nova Gales do Sul.

“Mas mesmo como percentual do PIB, a arrecadação fiscal no Brasil é menor que a da Dinamarca, Bélgica, Suécia, França, Noruega, Finlândia, Áustria, Itália, Alemanha, Islândia, Holanda, Eslovênia, Hungria, Grã Bretanha, Espanha, Argentina, Portugal, Israel, Luxemburgo, Rep. Tcheca, Nova Zelândia e Bulgária”.

Resistência

Essa sanha neoliberal e privatizadora do atual governo federal atinge em cheio os servidores e o serviço público. A reforma administrativa pretendida quer criar novas regras para contratação de servidores públicos, simplificação das carreiras e salários e fim da estabilidade, entre outras. Para tentar amenizar a rejeição dos servidores, é dito que essas medidas afetarão apenas os novos servidores – cujo número tende a ser cada vez menor porque outra proposta é restringir a realização de concursos públicos…

A questão é que, ao invés de ampliar o atendimento à população, combater os problemas que prejudicam a qualidade e aperfeiçoar as políticas públicas, Bolsonaro, Guedes & cia. promovem uma “caça às bruxas” contra os servidores, usando um discurso que busca desqualificar esses trabalhadores e jogar o povo brasileiro contra o funcionalismo. Como se fossem eles os responsáveis pela situação do País ou pela má qualidade dos serviço público.

Na realidade, menos servidores públicos significa menos hospitais, universidades, segurança, saúde, escolas, creches, limpeza urbana, saneamento, campanhas de prevenção, etc. Claro, menos serviços públicos gratuitos e universais, porque o objetivo de diversos interesses econômicos é “privatizar geral” e lucrar onde houver brecha. O País precisa de mais Estado, não menos.

Mas a resistência dos servidores e demais trabalhadores será intensa e determinada, porque a luta do servidor também é de todos que defendem que haja mais e melhores políticas públicas para combater a brutal desigualdade social, principal problema do Brasil.

Papel do Sindicato

Em São Vicente, o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (SindServSV), já está conversando com lideranças da cidade, na construção de uma frente em defesa do Serviço Público. O serviço público é essencial para a cidade, uma vez que o tecido social empobrecido faz com que quase toda a população seja dele dependente e usuária direta.

Fontes: