Leia repúdio da Câmara de Guarujá à Reforma Administrativa

Na semana passada, a Câmara Municipal de Guarujá aprovou, por unanimidade, uma moção de repúdio, de autoria do presidente da Casa, Edilson Dias (PT), à reforma administrativa do Governo Federal.

Vale destacar que os vereadores são lideranças sociais que falam em nome de muitas pessoas. A presente moção tem, portanto, o peso de mais de 300 mil pessoas. E assim é lida pelos Senhores Deputados e Senhoras Deputadas. Essas posições políticas são muito significativas no ambiente parlamentar, onde o destino dos milhões de servidores irá ser definido.

Como já informado pelo Sindicato, na presença de presidentes e diretores de sindicatos de servidores de Guarujá, Santos, Praia Grande e São Vicente, Edilson não poupou críticas à proposta de emenda à constituição (PEC) 32-2020.

Abaixo, a íntegra da moção que será enviada ao Congresso Nacional:

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A proposta de reforma administrativa enviada pelo governo Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, em suma, mantém privilégios de poucos, retira de muitos e abre brecha para perseguição de servidores, segundo especialistas. As mudanças elaboradas e propostas pela equipe econômica do governo estão todas contidas numa única Proposta de Emenda à Constituição (PEC), identificada como 32/2020. A PEC, da maneira como foi elaborada, fatiada e sem detalhamentos de carreiras ou financeiros, o texto traz instabilidade para o funcionalismo, privilegia o alto escalão dos servidores e pode passar um “cheque em branco” para o presidente, pois permite que acabe com órgãos do Executivo sem o aval do Parlamento. A reforma em tela, que precisa passar pela Câmara e também pelo Senado, abrange, em tese, funcionários públicos em todas as esferas, ou seja, atualmente cerca de 11,4 milhões de pessoas, mas não valerá para os atuais ocupantes dos cargos, apenas para os que entrarem nas carreiras.

Max Leno, economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), afirma que as proposições de Bolsonaro fragilizam a condição de trabalho dos servidores, em especial o fim da estabilidade. “Pode-se intensificar a questão do assédio moral, pode-se intensificar a substituição por servidores temporários ou terceirizados”, diz o economista. Segundo o economista a proposta induz a população a acreditar que está economizando em contas públicas, quando, na realidade, está cortando direitos de servidores e, consequentemente, piorando serviços públicos. “Essas mudanças têm cunho fiscalista, sem dúvida alguma. O governo tenta passar a ideia para a sociedade que ele está tentando prezar pelas contas públicas, aumentar a produtividade do setor público, mas não podemos esquecer que grande parte dos serviços que são prestados à sociedade tem o servidor na ponta”, ressalta Leno.

Ainda de acordo com Max Leno, a reforma apresentada pelo governo Bolsonaro sugere uma diminuição do Estado em prol de interesses privados. “Há possibilidades bastante evidentes de que alguns dos principais tipos de serviço público que hoje são desenvolvidos possam vir, no futuro, para a mão da iniciativa privada”.

O diretor da Federação dos Trabalhadores do Judiciário Federal (Fenajufe), Thiago Duarte Gonçalves, afirma que as mudanças propostas não resolvem problemas estruturais e mantém intactos privilégios de juízes, militares e procuradores, por exemplo.

“Ele (Bolsonaro) transforma a carreira do funcionalismo em cinco tipos de carreiras, sendo que, para o tipo da cúpula, que eles chamam de carreira de estado, a estabilidade continua vigente, não tem discussão de teto, não trata a questão do nepotismo e não trata a redução da jornada com redução de salário”, diz. Ele questiona o fato de a reforma não tocar em aposentadorias compulsórias dessa “cúpula”. “Não existe aposentadoria compulsória como punição para servidor público norma. Só existe para o juiz e para o promotor. Nem para parlamentar existe isso”.

Thiago Duarte ainda cita o acréscimo por Bolsonaro, no artigo 37 da Constituição, do princípio da subsidiaridade, que dá espaço para mais “organizações sociais” e menos Estado. “Eles tratam a questão de as ‘organizações sociais’, eles usam esse termo, substituírem várias iniciativas que hoje precisam de concurso público. O objetivo estratégico do bolsonarismo é substituir concursado por organização social e aí aparelhar o Estado. É isso que eles querem a médio prazo, daqui cinco, dez anos”, avalia o diretor da Fenajufe.

Ele também reclama da intenção de acabar com a estabilidade para novos servidores. “A perspectiva é de uma administração pública cada vez mais com interesses particulares. A estabilidade é, às vezes, muito mal compreendida, como se fosse um privilégio. Mas isso é uma conquista da constituinte de 1988. Não existia estabilidade na ditadura militar”. Thiago prevê, caso a reforma seja aprovada no Congresso. “A partir do momento em que você relativiza a estabilidade, que é o que eles estão fazendo com essa PEC, seja para os atuais servidores, seja para os futuros, você abre margem para os interesses do governo de plantão se sobreporem a interesse da cidadania. A perspectiva é sombria”.

A proposta dispõe nada sobre cumprimento do teto salarial para servidores, uma regra sempre desrespeitada, e também poupou das mudanças os militares e representantes das carreiras do topo do funcionalismo público, como deputados, senadores, juízes, promotores, procuradores e desembargadores. A justificativa dada por técnicos da Economia é que os militares não são considerados servidores públicos e já tiveram suas alterações no regime em recente reforma enviada ao Legislativo. Sobre os demais funcionários, afirmaram que eles são membros dos seus Poderes, e não servidores. Portanto, caberia ao próprio Poder apresentar suas reformas.

Outra alteração na PEC é a possibilidade de, por um simples decreto, sem a necessidade de debate com o Congresso, o presidente extinguir ou modificar autarquias e fundações, desde que não gere impacto financeiro. Neste grupo estão órgãos como as agências reguladoras (ANEEL, ANCINE, ANATEL, ANVISA) e institutos como o Ibama e o ICMBio – responsáveis pela fiscalização ambiental – ou Incra – que trata da reforma agrária. Para especialistas, faltou o Governo estabelecer um diagnóstico sobre o funcionalismo público e intensificar o debate com as carreiras antes de se enviar a sua PEC. “É uma reforma muito abstrata”, ponderou a professora e coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia da Fundação Getúlio Vargas, Gabriela Lotta. “O Governo não conseguiu dimensionar o impacto orçamentário nem demonstrar em que medida essa proposta vai melhorar o serviço público”, complementou o presidente do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), o auditor Rudinei Marques.

Para a professora Lotta, quando os detalhes não são apresentados, passa-se um “cheque em branco para o presidente fazer o que bem entender”. A proposta acaba com o regime jurídico único dos servidores e cria cinco distintos. Também prevê a manutenção da estabilidade apenas para carreiras de Estado, ainda que não defina quais seriam essas carreiras. Na prática, quem não for da carreira de Estado não tem a garantia de emprego. “No Ministério das Relações Exteriores, todos os funcionários são estáveis. Do agente de portaria até o diplomata. Isso não faz sentido”, afirmou o secretário-adjunto de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Gleisson Rubin. Lotta questiona: “Ele não detalha, por exemplo, quais são as carreiras de Estado. Só dizem que elas existem. Mas quem deveria definir quais são essas carreiras é o Congresso, não Executivo”, afirma Lotta.

O representante da Fonacate, Marques, por sua vez, diz que, se aprovada da maneira que está, a reforma vai ajudar na precarização do trabalho público. “Do jeito que está, os funcionários do Ibama, da Receita Federal, da Polícia Federal, dos órgãos de controle, não teriam a estabilidade adequada para exercerem suas funções”, afirmou. E completou: “Teríamos muita interferência e um serviço público aparelhado para atender determinados interesses políticos e pessoais.”

Daniel Ortega, especialista sênior para o setor público do Banco Mundial, diz que a reforma apresentada por Bolsonaro toca em quatro pilares fundamentais para qualquer mudança na área: fiscal, flexibilidade das contratações, gestão das carreiras e a avaliação de desempenhos. “São temas complexos para se debater porque tem muitas partes interessadas”, aponta. Ortega, contudo, diz que o Governo tem de tomar o cuidado para não transformar os servidores públicos em vilões da máquina pública. “Quando se valoriza o trabalho do servidor público, se tem um impacto diretamente na prestação de serviços que todos os brasileiros recebem. Eles não podem ser vistos só como uma questão fiscal.”

Somente no âmbito federal, a folha de servidores representa o segundo maior gasto da União, 337,23 bilhões de reais, ou 22% do orçamento anual. Fica atrás apenas dos gastos com Previdência Social. Ainda assim, a distribuição é muito desigual, com servidores federais ganhando bem mais, na média, que os municipais, por exemplo. Apesar dos discursos de que há uma profusão de servidores, os dados mais recentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que o Brasil tem 12% de sua força de trabalho no poder público. A média dos 32 países pesquisados por esse organismo internacional é de 21%. No topo, está a Dinamarca, com 35% e, na base, a Colômbia, com 4%. Os dados são de 2015.

Por fim, a doutora em Ciências Políticas e pós-doutora em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Geraus (UFMG) e especialista em relações do Trabalho, Regina Camargos, destacou que um governo verdadeiramente preocupado com a qualidade do serviço público deveria valorizar seus servidores. “Desde 1988 temos visto tentativas de regulamentar a negociação coletiva e o direito de greve dos servidores públicos, este previsto na Constituição. A Constituição de 88 garantiu o direito a sindicalização dos servidores, mas não garantiu o direito a negociação coletiva. E essas lacunas sumiram neste debate da chamada Reforma Administrativa”, lamentou.

Desta forma e vislumbrando os enormes retrocessos propostos pela reforma administrativa do governo Bolsonaro, e por entender que estes argumentos são fortes e suficientes, é que apresento a esta Casa de Leis, a seguinte: