Por Carlos Norberto Souza, jornalista
Um dos motes da campanha eleitoral de Jair Bolsonaro foi propagandear o suposto risco de o Brasil virar uma Venezuela, país latino-americano que, nos últimos anos, tem sofrido frequentes crises econômicas, caso algum candidato da “esquerda” vencesse as eleições em 2018. Essa imagem negativa, fixada nas mentes de milhões de eleitores brasileiros durante anos de cobertura midiática desfavorável em relação à situação venezuelana, foi um dos trunfos da campanha bolsonarista. Mas, já no segundo ano de sua administração, Bolsonaro precisa explicar por que está transformando o Brasil no espantalho que tanto usou para assustar seus eleitores?
As mais recentes notícias indicam o aprofundamento da crise econômica, cuja responsabilidade exclusiva não é da pandemia ou do distanciamento social – narrativa falsa imposta por certos setores políticos e econômicos ligados ao atual Governo Federal. Segundo pesquisa do site Poder360, 65,4 milhões de brasileiros recebem o auxílio emergencial. Deste total, somente 37, 7 milhões são trabalhadores formais (com carteira assinada). E tem mais! Ainda de acordo com o levantamento, em 25 estados, o total de beneficiários do auxílio é maior do que o de empregados com carteira assinada. Santa Catarina e Distrito Federal são as exceções.
Em reportagem no portal da CTB, o jornalista André Cintra relatou: “Com a crise, nada menos que 68% da força de trabalho no Brasil está recebendo o auxílio emergencial. Hoje, essa força de trabalho – que inclui empregados e desempregados – abrange 96,1 milhões de trabalhadores. Dez estados contam até com mais benefícios do Bolsa Família do que vagas preenchidas de emprego formal”.
De acordo com a matéria, o pior cenário é do Nordeste, com 21,3 milhões de moradores recebendo o auxílio emergencial e só 6,3 milhões têm carteira assinada. “Nos nove estados nordestinos, há pelo menos três vezes mais beneficiários do auxílio do que trabalhadores formais”, informou Cintra.
A pandemia só veio a agravar e acelerar uma tendência que já existia em decorrência da agenda econômica de retirada de direitos trabalhistas, sociais e previdenciários, além de cortes de investimentos em políticas públicas essenciais, conduzida por Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. Mas também é verdade que o atual governo visa continuar e aprofundar o processo de destruição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), cujo marco fundamental foi a Reforma Trabalhista, em 2007, justificada de forma mentirosa de que geraria milhões de empregos.
Em artigo de janeiro deste ano, a comunicação do SindServSV já destacava que, antes da Reforma Trabalhista, o Brasil tinha 12,7 milhões de desempregados, e depois dela o desemprego diminuiu pouco – redução puxada pela geração de trabalhos sem carteira assinada ou trabalhando por conta própria. Ou seja, o que vinha crescendo antes da pandemia era o trabalho informal e precário, além do falso “empreendedorismo”…
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada nesta sexta-feira (28), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego chegou a 13,3% no país no segundo trimestre de 2020. Em alguns estados, a taxa de desemprego chegou em 20% – caso da Bahia (19,9%), Sergipe (19,8%) e Alagoas (17,8%)
O desemprego ficou em 13,3% no país no segundo trimestre de 2020, com crescimento de 1,1 ponto percentual em relação ao 1º trimestre, quando a taxa era de 12,2%. A taxa de desemprego cresceu em 11 unidades da federação e, em alguns estados, encostou em 20%. Foi o caso de Bahia (19,9%), Sergipe (19,8%) e Alagoas (17,8%). Mulheres e negros são os mais afetados. O número de desalentados foi de 5,6 milhões de pessoas, com aumento de quase 20% em relação ao segundo trimestre. Quem não sabe, desalentado é o trabalhador que desistiu de procurar emprego porque perdeu a esperança de conseguir.
Matéria recente do jornal Folha de S.Paulo tratou da seguinte forma o aumento do desemprego: “a crise causada pela pandemia tem aumentado o número de demissões no país e empurrado mais brasileiros para o empreendedorismo”. Faço minhas as palavras de um amigo meu: “Isso é a romantização da desgraça, dizendo que fazer bico para não morrer de fome virou empreendedorismo”.
Podemos constatar que essa agenda econômica do governo Bolsonaro torna a classe trabalhadora brasileira cada vez mais desamparada, sem direitos e renda cada vez menor, e um “alvo perfeito” para a pandemia. A resposta do Governo Federal, principalmente a do presidente e sua equipe econômica à crise sanitária, não foi só insuficiente, incompetente, foi criminosa.
Além do menosprezo inicial da “gripezinha”, sabotagem contra o distanciamento social e o oportunismo de vendedor de remédios milagrosos, esse governo passou longe de garantir socorro financeiro às micro, pequenas e médias empresas, e auxílio emergencial para todos os desempregados e/ou desalentados. O auxílio a estados e municípios só foi liberado mediante sacrifício do funcionalismo público, essencial no combate ao novo coronavírus. E não houve ainda qualquer proposta de plano federal contra o desemprego durante a pandemia.
Pelo contrário, se não fosse a iniciativa do Congresso Nacional, não haveria auxílio nenhum ao povo. Se fossem realizadas com seriedade, essas medidas tinham o objetivo de garantir emprego, renda e a sobrevivência digna de milhões de brasileiros, gravemente atingidos pela política econômica atual e pela pandemia, que só piorou o que já estava ruim.
Já vivemos uma tragédia social de grandes proporções e, se continuarmos nesse caminho, o fundo do poço sempre pode ser mais profundo. Não é só por causa do novo coronavírus, mas também pela falta de compromisso de Jair Bolsonaro & Cia com políticas públicas que garantam emprego, renda, direitos trabalhistas, sociais, previdenciários, e serviços públicos de qualidade. Sabemos o que a falta de expectativas e oportunidades pode gerar: mais violência e falta de esperança. Um ciclo vicioso! Urge uma mudança de rota!
Temos que reivindicar e construir um projeto de desenvolvimento nacional que não envolva a destruição do meio ambiente e dos direitos do povo brasileiro para favoreça os privilegiados de sempre, banqueiros, grandes empresários, fazendeiros desmatadores, políticos corruptos, nem milicianos e outros criminosos… Por não enfrentar suas verdadeiras mazelas de frente, o Brasil não está virando uma Venezuela, que, aliás, tem se dado melhor do que nosso país na luta contra a pandemia… O Brasil está se transformando, isso sim, na pior versão de si mesmo.