Randolfe Rodrigues: A falência do liberalismo

Tal doutrina que surge com a Revolução Industrial, enfrentou maus bocados durante a grande depressão dos anos 1930, mas ressuscitou batizada como “neoliberalismo”, no fim do século passado, embalado pelas medidas e bravatas de Reagan nos EUA e pelas medidas e bravatas no Reino Unido de Margareth Thatcher. Tinha até um manual de instruções, o “Consenso de Washington”, com 10 recomendações práticas de privatizações, desregulamentações, liberalização comercial e austeridade fiscal, consolidado pelo economista John Williamson, falecido há poucas semanas.

A bem da verdade, o liberalismo nunca foi adotado nos países centrais, cujos Estados sempre foram fortemente indutores de suas atividades econômicas. A economista Monica De Bolle tem nos lembrado disso ao citar a importância da força estatal na industrialização dos EUA, assim como seu colega coreano, Ha-Joon Chang em sua obra “Chutando a Escada”, alusão bem-humorada à prática de países ricos que se serviram do protecionismo e da intervenção para se industrializar e, ao chegarem no topo, recomendam aos demais que façam justamente o contrário.

Mas nos países periféricos, o liberalismo tem feito um enorme estrago, particularmente no Brasil, aqui desembarcando em 1990 e culminando com ultraliberalismo atual de Bolsonaro-Guedes. Em espacial nos últimos anos tem sido brutal a retirada de direitos trabalhistas e previdenciários, o desmonte da capacidade de investimento público, a redução do orçamento social e a política comercial submissa, tudo somado com o desprezo às questões ambientais e destruição do aparato estatal. Essa crença cega, até então quase unânime na intelectualidade econômica do país, tem gerado sucessivas décadas perdidas e pauperizado a população.

Apesar de ser doença crônica no Brasil, a doutrina neoliberal já vinda capengando em escala global desde a grande crise de 2008, quando os EUA, a União Europeia e o Japão abriram seus cofres para injetar alguns trilhões de dólares destinados a salvar o sistema financeiro, sem nenhum pudor em ampliar a emissão monetária por meio de mecanismos sofisticados (denominados quantitative easing).

Agora, com as ações de combate à pandemia e com o lançamento dos planos de Joe Biden nos EUA, que destina mais de 4 trilhões de dólares para apoio às famílias, às pequenas empresas e para obras de infraestrutura, tal doutrina desmoraliza-se completamente. Desconcertados, áulicos tupiniquins que se agarram à velha teoria agonizante repetem apenas um pobre argumento: “lá pode, aqui não…”.

Lamentavelmente, não se vislumbram indícios de mudanças de rumo do atual governo negacionista do Brasil. Mas a boa notícia é que a cada dia surgem novas e promissoras ideias dentre aqueles que não abdicaram do atributo de pensar fora da caixa liberal.

Propostas interessantes de mudança da política monetária no sentido de expansão da oferta e estímulo à atividade econômica; adoção de metas de investimento público em relação ao PIB; ampliação/implantação de programas de renda mínima; política comercial ativa e coerente; além de aproveitar os novos ventos da economia verde para os quais o Brasil apresenta condições excepcionais.

Nossa batalha de hoje é vencer a pandemia do coronavírus. Garantir vacina no braço e comida no prato dos brasileiros! Vencida essa etapa, teremos que reconstruir o Brasil, com um projeto de país que seja justamente o oposto do liberalismo tacanho dos últimos tempos, um programa desenvolvimentista e inclusivo!

(*) Senador pela Rede-AP, professor, graduado em História, bacharel em Direito e mestre em Políticas Públicas. Publicado originalmente na revista CartaCapital

Fonte: DIAP