Em meio ao fogo cruzado, a unidade deve prevalecer

A greve dos servidores públicos municipais de São Vicente entrou em uma fase crucial, após mais de 10 dias de greve, mas ainda enfrenta incompreensões e posturas cujo senso de conveniência beira o oportunismo, ao mesmo tempo que é alvo de falsas acusações do Governo Kayo Amado.

O primeiro problema diz respeito a pessoas ou grupos que, ultrapassando à saudável dúvida ou crítica construtiva, querem “ensinar o Padre a rezar a missa”. Ou seja, sem a mesma experiência prática e conhecimento teórico do direito trabalhista e sindical, insistem em receitar o beabá da profissão ao advogado responsável pelo Departamento Jurídico do SindServSV, Luiz Gonzaga Faria.

Como já informado pelo Sindicato, a Prefeitura ingressou – ainda antes do início da greve – na Justiça para declarar a ilegalidade da greve e a manutenção de 100% dos servidores em atividade. Então, o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de São Vicente, Fábio Francisco Taborda, concedeu em parte.

A decisão liminar, concedida pelo magistrado, determinava que o Sindicato garantisse “em TODOS os serviços públicos relacionados à saúde e educação, o comparecimento de 80% dos servidores de cada unidade”. Já em relação aos demais serviços, foi determinado o percentual de 30% dos servidores em atividade.

Uma das alegações descabidas é a de que a Direção não foi notificada dessa decisão, já que não há Certidão de Mandado Cumprido no processo, sem a qual o juiz não teria como saber se o sindicato foi intimado. A tese alucinante vai além: sem intimação, a greve poderia ter sido mantida totalmente por um ou dois dias. Em audiência dos servidores com o Departamento Jurídico, o Dr. Gonzaga destacou que os juízes têm considerado válida a intimação por meio de “modernas tecnologias de comunicação como e-mail, redes sociais e whatsapp”.

Então, no dia 11, o juiz Taborda intimou o Sindicato a garantir, em todas as unidades de saúde, o comparecimento de 80% dos servidores de cada categoria (profissão), ou seja, limitando ainda mais o direito constitucional de greve.

Na mesma data, o Jurídico recorreu, por meio de um Agravo de Instrumento, junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo. “O primeiro objetivo é retirar a questão das mãos do juiz local a competência de julgar, porque, no meu entendimento e a compreensão majoritária do mundo do direito, a competência para julgar dissídio coletivo e direito de greve é do Tribunal de Justiça de cada estado, especialmente do Órgão Especial do TJSP”, afirmou Gonzaga.

Em segundo lugar, o objetivo é anular ou modificar as limitações impostas à categoria. No entanto, Gonzaga ponderou que essas porcentagens fazem parte de jurisprudência firmada em todo o País e, dificilmente, conseguiremos derrubar, apesar dos esforços do Departamento Jurídico do Sindicato. “Cabe ao advogado se empenhar e fazer o possível. Eu ou algum representante do meu escritório batemos diariamente na porta do desembargador relator para pedir maior rapidez, mas já me disseram várias vezes que os juízes têm o tempo deles, não o que a gente gostaria”.

Gonzaga disse ainda que, em paralelo, entrou com pedido de intermediação junto ao vice-presidente e desembargador do TJ-SP, Guilherme Gonçalves Strenger, que marcou audiência de conciliação entre o SindServSV, representando a categoria em greve, e a Prefeitura para 24 de março de 2022, às 15h.

“Com isso, procuramos gerar algum impacto na Prefeitura, para que tentar avançar em algo, porque nos preocupa o cansaço que vai batendo à medida que a greve se prolongar, principalmente se virar o mês e o salário não vier”, explicou.

Como já informado pelo Sindicato, Gonzaga salientou que é ponto pacífico – para a Justiça – que grevista não deve receber os dias parados, exceto se paralisação seja motivada por atraso de pagamentos. Mas, há a possibilidade dos dias parados serem pagos, em caso de acordo com a Prefeitura. Desde a deflagração da greve, o Sindicato já alertava sobre isso.

Houve questionamentos do fato da Ação de Dissídio Coletivo de Greve ter sido impetrada no 6º dia de greve, como se fosse cedo demais para isso enquanto o movimento seguia com força. “Mas, no terreno jurídico, temos que usar todas as armas disponíveis o mais rápido possível, ao invés de deixar para depois. Vejam o exemplo da Prefeitura que, antes da paralisação, já conseguiu a liminar”, afirmou.

Espera-se que a Prefeitura atenda ao chamado do Tribunal, embora não seja obrigada, e que haja um acordo – de preferência – satisfatório à categoria. Segundo o advogado, a Prefeitura pode delegar ao TJSP que estipule o índice de reposição salarial a ser concedido. “Mas, independente como for, o dia 24 não vai ser conclusivo. Vai depender da aceitação da Comissão de Greve e da categoria. Nada disso obriga a interromper a greve”, assegurou.

Trata-se apenas de uma frente de batalha, na qual a categoria atribuiu um mandato ao Departamento Jurídico para usar todas as suas ferramentas em defesa da categoria e da entidade sindical, mantendo a greve no terreno da legalidade. “A continuidade da greve, que é um momento épico da luta de classes, é decisão dos servidores e é fruto da força de sua mobilização”, ressaltou.

Quando não são uns, é o outro

Além do “fogo amigo”, o Governo Kayo Amado acusa o SindServSV de haver judicializado a negociação (como se oferecer míseros 1,8% demonstrasse alguma vontade de negociar…) e de que não estaria acatando a decisão liminar de manter em atividade 80% dos funcionários que atuam em serviços na saúde e 30% dos demais trabalhadores.

1 – Quanto à judicialização da greve, a categoria nunca teve medo do tom de ameaça do Sr. Prefeito. Temos certeza quanto à legalidade e legitimidade da greve e, especialmente, quanto à justeza de seus propósitos.

2 – Esperamos que a prefeitura apresente uma proposta de conciliação decente ao Sr. desembargador, já que não foi capaz de apresentar aos servidores diretamente.

3 – Quanto aos números absurdos apresentados pela Secretaria de Gestão, resta saber que tipo de conta estão utilizando e, segundo o mesmo critério, qual o índice normal de comparecimento dos trabalhadores e trabalhadoras.

4 – Enquanto aguarda julgamento do seu recurso (agravo de instrumento) junto ao TJ-SP, o Sindicato está atuando para respeitar a liminar. Mas a própria Prefeitura vem adotando métodos para burlar o direito de greve, utilizando-se de um já defasado e insuficiente quadro de pessoal com o objetivo de questionar a legitimidade e a reconhecida legalidade da greve.

Discernimento

Na fase que se inicia, lucidez, unidade e responsabilidade serão mais importantes do que nunca em nossa luta por recomposição salarial, combinando as ferramentas jurídicas e a mobilização da categoria, por meio do Sindicato, que é, ao mesmo tempo, trincheira e arma em todos os momentos da vida do trabalhador e da trabalhadora.