Deixem as meninas viverem livres!

Essa semana, sentimos empatia e revolta ao saber do caso da menina de 10 anos que teve a sua infância destruída após ser estuprada pelo tio – e talvez outros membros da família! – durante 4 anos até engravidar. Esse caso aconteceu no estado do Espírito Santo.

Uma crueldade que não está tão distante de nós. São registrados 6 abortos por dia em meninas entre 10 e 14 anos vítimas de estupro, no Brasil. A baixada santista, no ano de 2019, registrou que a cada 4 ocorrências de estupro, 3 tiveram como vítimas meninas de até 14 anos (toda relação sexual com menores de 14 anos, ainda que com o consentimento da vítima é considerado estupro!).

Mariany Vieira, diretora de Educação do Sindicato e representante sindical no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescentes falou da sua experiência como professora: “infelizmente esses casos não são raros. Pude acompanhar jovens vulneráveis inclusive durante meu estágio, que foi dentro de uma organização social específica para Crianças e Adolescentes que sofreram violência sexual. Muitas vezes, quem deveria proteger e cuidar da criança é o agressor, o que torna tudo muito mais cruel e difícil para a criança se abrir, confiar e relatar a ocorrência de tais atitudes”

Segundo os dados do ministério da saúde, além dos números alarmantes em casos de meninas vítimas de estupro, foi registrado que 930 adolescentes, no Brasil dão à luz todos os dias números que totalizam 34,5 mil mães adolescentes por ano, ou seja, meninas que perderam a sua infância e adolescência e tiveram seus sonhos interrompidos.

A gravidez na adolescência ocorre com maior frequência entre as meninas com menor escolaridade e menor renda, menor acesso a serviços públicos, e em situação de maior vulnerabilidade social é o que aponta o estudo de 2018, da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

Em 2016, o Ministério da Saúde, divulgou uma pesquisa que relatou que 66% das gestações em adolescentes não são planejadas e de acordo com o PNAD 2013 – 75% das mães adolescentes estavam fora da escola, o que nos mostra as consequências sociais e econômicas na qual as adolescentes brasileiras estão expostas. “Na sala de aula quando uma adolescente engravidava, era nítido o afastamento gradual durante a gravidez, quando a barriga aparecia as faltas ficavam mais frequentes, até se tornar uma evasão escolar. Após o parto, mesmo com vaga na creche, a mãe estudante dificilmente retornava à escola. Em 13 anos lecionando vi somente um caso de retorno com regularidade às aulas”, diz Mariany.

No portal do Sistema estadual de análise de dados (Sead), é possível conferir os dados por cidade, e comparar com o índice estadual, em São Vicente a taxa de nascidos vivo com mais menores de 18 anos é de 5,45% e do estado é de 4,64%, números do ano de 2018. São Vicente, no passado foi a cidade com os maiores índices de gravidez na adolescência no estado de São Paulo, situação acontece devido às situações de vulnerabilidade na qual as adolescentes vicentinas estão expostas.

A gravidez precoce faz com que a mãe e o bebê passem por diversos riscos de saúde, muitas vezes por não iniciar o pré natal desde o início da gestação, ou por não estarem com o corpo geneticamente todo desenvolvido, sendo assim é um problema de saúde pública, entre esses problemas de saúde estão prematuridade, anemia, aborto espontâneo, eclâmpsia, depressão pós-parto, risco de mortalidade, entre outros. Apesar de São Vicente apresentar projetos como a Casa do Adolescente, com uma equipe de servidores que qualidade, a demanda e a distância acabam afastando muitas jovens mães do atendimento.

Mariany completou: “Os dados são alarmantes. Tanto de gravidez precoce quanto de estupro de menores. Impossível se deparar com a realidade e não se revoltar, especialmente para quem, como eu, tem uma filha pequena. Essa criança do Espírito Santo teve muitos de seus direitos violados e, ainda por cima, sua condição foi exposta, podendo ser facilmente identificada. Como ficará essa criança que, após tantos traumas, viu sua história eternizada na mídia? Criança tem direito de brincar, estudar, ter moradia, é dever do Estado e da família resguardarem a base da sociedade e instruir melhor crianças e adolescentes”.